A outra face do futebol holandês: Feyenoord Rotterdam

Camisa 14
8 min readJan 29, 2022

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Para muitos de nós, quando falamos em futebol holandês, as primeiras imagens que se formam em nossa mente são de Johan Cruijff, o lendário time do Ajax dos anos 1970 e a Laranja Mecânica finalista das copas do mundo de 1974 e 1978. No entanto, um personagem que muitas vezes fica em segundo plano, mas é igualmente fundamental e grandioso para o esporte neerlandês, é o Feyenoord Rotterdam.

A cidade de Rotterdam

Rotterdam se destaca como grande centro de transporte marítimo desde o final do século XVII, estando diretamente atrelado ao comércio da Companhia das Índias Orientais neerlandesa. Não por acaso, na segunda maior cidade dos Países Baixos está localizado o maior porto do continente europeu, com um fluxo de aproximadamente 300 milhões de toneladas de mercadorias por ano.

A cidade de Rotterdam começou a se expandir rapidamente em meados do século XIX. Ao mesmo tempo, o porto se beneficiou da abertura do canal Nieuwe Waterweg, em 1863, uma conexão direta com o Mar do Norte. Isso estabeleceu uma rota comercial com a potente indústria alemã, principalmente da região do vale do rio Ruhr, na Renânia do Norte-Vestfália.

O período do século XIX foi marcado pelo grande crescimento urbano e econômico de Rotterdam. As novas oportunidades de empregos criadas pelo porto, atraíam trabalhadores das regiões vizinhas. Para lidar com a expansão populacional, pela primeira vez em sua história, a cidade começou a se alastrar para além de seus limites originais. O primeiro foi o distrito de Cool, seguido por Oude Westen e Nieuwe Westen, em 1886 e 1895, respectivamente.

A Primeira Guerra Mundial colocou um fim no processo de expansão de Rotterdam, se iniciando um período de recessão econômica que durou até 1926. No entanto, o novo período de crescimento não duraria muito, pois em 1929 a cidade também seria vítima do crash da Bolsa de Nova Iorque.

Os escombros de Rotterdam durante a Segunda Guerra Mundial (Fonte: Holocaust Encyclopedia).

No dia 10 de maio de 1940, a Luftwaffe lançou paraquedistas próximos a Rotterdam. Apenas quatro dias mais tarde, após bombardeios alemães reduzirem o centro da cidade e o porto a escombros, deixando 850 mortos e 80 mil desabrigados, os Países Baixos se renderam à Alemanha Nazista. Teve início ao Comissariado do Reich para os Territórios Ocupados da Holanda, que duraria até 1945, quando o exército canadense derrotaria os alemães.

Sobre a Segunda Guerra Mundial na Holanda, acessem: Devolvam nossas bicicletas!.

Sobre o período pós Segunda Guerra Mundial e a reconstrução social dos Países Baixos, acessem: O berço de Johan Cruyff: a Holanda que abriu as portas para o Futebol Total.

Feyenoord Rotterdam.

O Feyenoord Rotterdam foi fundado em 19 de julho de 1908, por um quarteto de jovens da região sul de Rotterdam, que se conheceram no café De Vereeniging. A criação do clube coincide com o período de expansão urbana e econômica da cidade.

Inicialmente, o seu nome era Wilhelma, o mesmo que a rainha dos Países Baixos. A primeira partida disputada pelo time foi contra o Bospolder, da região oeste da cidade, uma vitória por 2 a 1. Em 1912, o clube mudaria de nome para Feijenoord (mudaria de novo em 1974, para o atual Feyenoord, para facilitar a pronúncia fora dos Países Baixos). Nesse mesmo ano, eles conquistaram seu primeiro título, a Copa Concordiaan.

Em 1921, o Feyenoord chegou à elite do futebol neerlandês. Apenas três anos mais tarde, conquistou seu primeiro título nacional, o que acabaria por atrair uma nova leva de torcedores, Com o tempo, o clube foi se construindo como um dos mais populares do país (a segunda maior torcida atualmente).

Pôster do Feyenoord de 1921 (Fonte: Feyenoord).

Entre 1928 e 1940, anos da invasão alemã, Feyenoord viveu seu primeiro período vitorioso. Venceu o campeonato holandês quatro vezes (1928, 1935, 1938 e 1940) e a Copa KNVB duas vezes (1930 e 1935).

A partir de 1940, o clube ficou vinte anos sem levantar taças. No entanto, o Feyenoord retornou ao centro das atenções do futebol holandês durante os anos 1960. Foram quatro conquistas da Eredivisie (1961, 1962, 1965 e 1969) e duas Copas KNVB (1965 e 1969). Mesmo assim, o título mais importante ficaria para o final da década, na temporada 1969/1970.

Temporada 1969/70.

A temporada 1969/70 ficou marcada na história feyenoorder como sendo a da conquista da Copa da Europa (atual UEFA Champions League), sendo o pioneiro nos Países Baixos.

O time tinha uma base muito forte e entrosada, afinal haviam empilhado muitas taças nos anos anteriores. O goleiro era Eddy Trijtel, que chegou na mesma temporada, colocando no banco Eddy Pieter, após onze anos debaixo das traves do Feyenoord. A dupla de zagueiros era composta pelo capitão Rinus Isräel, apelidado de “Ijzeren Rinus” (Rinus de ferro), por conta da vitalidade com que costumava entrar nas disputas de bola, e Theo Laseroms.

Os laterais eram Piet Romejin (formado na base do clube), pela direita, e Theo van Duivenbode, adquirido junto ao rival Ajax para a temporada, do lado esquerdo, O meio campo era composto por Win Jansen, cria das categorias de base, se tornou uma lenda no clube; o austríaco Franz Hasil, e Willem van Hanegem. Para completar o time, o trio de ataque era formado pelo sueco Ove Kindvall, o veterano Coen Moulijn e Henk Wery.

Mesmo com os reforços para o gol e a lateral esquerda, a contração mais importante para a temporada, foi o técnico austríaco Ernst Happel. Happel se destacou no futebol dos Países Baixos após vencer a Copa da Holanda com o ADO Den Haag na temporada 1967/68. Ele traria consigo o seu modo de comandar e o estilo de jogo: disciplina autoritária, obediência tática e a busca pela vitória a qualquer custo. Enquanto o Ajax se destacava pela qualidade técnica, o Feyenoord tinha como ponto forte o vigor físico e a raça.

Ernst Happel, o treinador que entrou para a história do futebol holandês e do Feyenoord (Fonte: Wikipedia).

Na primeira fase da Copa da Europa, o time holandês enfrentou o KR, da Islândia. No jogo de ida, o Feyenoord aplicou sonoros 12 a 2 (recorde até hoje na competição). No dia 30 de setembro, a equipe de Rotterdam foi para Reykjavik, onde goleou novamente, dessa vez por 4 a 0.

O adversário da segunda fase foi o poderoso Milan, atual campeão da Copa. Na primeira partida, no dia 12 de novembro, no Giuseppe Meazza, os milanistas saíram em vantagem, após vencer por 1 a 0. No jogo de volta, os holandeses aproveitaram seu ponto forte, a atuação dos meio campistas em casa, e derrotou os italianos por 2 a 0, com gols de Jansen e van Hanegem.

Nas quartas de final, mediu forças com o Norwärts Berlin. No primeiro confronto, em 4 de março de 1970, em Berlim Oriental, uma vitória pelo placar mínimo para os alemães. No dia 18 de março, em casa, foi a vez dos atacantes fazerem a diferença: triunfo por 2 a 0, com Kindvall e Hynek Wery balançando as redes.

O último obstáculo antes da final foi o Legia Warszawa, campeão polonês. No jogo de ida, no dia 1º de abril de 1970, o Feyenoord conseguiu conter o ataque dos donos da casa, saindo com um empate sem gols. Na volta em De Kuip, 14 dias depois, outro 2 a 0, com mais uma vez os meio campistas se destacando, com gols de van Hanegem e Hasil. E dessa forma o clube neerlandês chegou a sua primeira final continental.

A grande final foi disputada no dia 6 de maio de 1970, no Estádio San Siro (ou Giuseppe Meazza), em Milão. O adversário do Feyenoord era o forte Celtic, vencedor da edição 1967/1968. A base do time escocês era quase a mesma que derrotou a Inter de Milão na final de três anos antes.

Sabendo a dificuldade do jogo, Ernst Happel optou pela experiência, escolhendo Eddy Pieter, de 36 anos de idade, para iniciar a partida. O restante do time permaneceu o mesmo.

Aos 29 minutos da primeira etapa, o Celtic inaugurou o placar, após uma cobrança de falta ensaiada, Tommy Gemmell marcou o gol. No entanto, apenas dois minutos mais tarde, Hasil cobrou uma falta pela direita, possibilitando que Rinus Isräel empatasse de cabeça.

Assim terminaria os 90 minutos regulamentares. Dessa forma, a partida foi para a prorrogação. O placar se manteria intacto até os 12 minutos da segunda etapa. Após uma bola alçada na área, Billy Mcneill, capitão da equipe britânica, tocou a bola com a mão. O árbitro Lo Bello deu a lei da vantagem, permitindo a Kindvall dominar a bola e finalizar na saída do goleiro Williams.

Happel e seus comandados posam para foto com a “Orelhuda” (Fonte: Imortais do Futebol).

Ernst Happel e seus comandados entraram para a história, não só do clube, mas também do futebol holandês. O Feyenoord inaugurou o período de hegemonia neerlandesa, que viveria seu auge nas mãos do Ajax de Johan Cruijff.

Após a conquista da Copa da Europa em 1970, o Feyenoord reforçaria sua posição entre as três grandes forças do país (Ajax e PSV). O clube venceu seis edições da Eredivisie (1971, 1974, 1984, 1993, 1999 e 2017), nove Copas KNVB (1980, 1984, 1991, 1992, 1994, 1995, 2008, 2016 e 2018), o Mundial de Clubes de 1970 (derrotou o Estudiantes por 3 a 2 no agregado), quatro Supercopa dos Países Baixos (1991, 1999, 2017 e 2018) e duas Copa da Uefa (1979 e 2002).

De Kuip — Feyenoord Stadium

Em 1931, o então presidente do Feyenoord, Leen van Zandvliet, decidiu construir um estádio para que o time jogasse suas partidas como mandante. As inspirações contemporâneas para o De Kuip foram o Highbury, casa do Arsenal, e o Yankee Stadium, em Nova Iorque, do New York Yankees. Johannes Brinkman e Leendert van der Vlugt, arquitetos famosos pela fábrica Van Nelle, listada como patrimônio mundial pela UNESCO, foram os contratados para a elaboração de um projeto de estádio feito de vidro, concreto e aço, materiais de baixo custo na época.

O estádio teve como co-fundador o bilionário Daniël van Beuningen, que construiu sua fortuna durante a Primeira Guerra Mundial, exportando carvão da Alemanha para a Grã-Bretanha, aproveitando a neutralidade dos Países Baixos durante o conflito. As obras de construção começaram em 1934. A inauguração ocorreu em 1937, com capacidade para 64 mil torcedores.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o estádio foi quase completamente destruído pelos alemães. Após o fim da guerra, em 1949, a capacidade foi expandida, ganhando cinco mil novos lugares,

Em 1994, o estádio foi profundamente reformado, para que se adequasse ao padrão da UEFA (movimento causado pelos incidentes de Heysel e Hillsborough), chegando à sua forma e capacidade atual, 51.117 lugares.

De Kuip atualmente (Fonte: Holland).

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Tentando enxergar o futebol para além do campo. Estudante de geografia.