Futebol na União Soviética.

Camisa 14
12 min readMar 20, 2021

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Como em muitos outros locais do mundo, o futebol foi introduzido na Rússia pelos britânicos. O intercâmbio se deu a partir dos portos, de modo que Petrogrado (atual São Petersburgo) foi o primeiro polo do esporte no país. No entanto, o jogo só foi de fato se estabelecer já no período soviético, após a revolução de 1917.

Antes da revolução, o futebol não era um esporte de massa. Era praticado e assistido principalmente pela classe média urbana e estrangeiros que viviam no país.

No início do regime socialista, o esporte foi adotado como ferramenta de propaganda pelo governo. Foi utilizado para elevar a imagem da nação e, principalmente, para aproximar a população das instituições estatais. A polícia secreta, o exército e sindicatos são exemplos de instituições que chamavam a atenção do público.

A popularidade do futebol começou a crescer após o fim da guerra civil em 1921. Naquele momento alguns clubes funcionavam como pequenas empresas privadas, algo que era permitido na década de 1920, conforme proposto por Vladimir Lênin. Porém, após a morte de Lênin, ascensão de Josef Stalin, e a abolição do Novo Plano Econômico, impondo controles econômicos rigorosos, fez-se necessário o patrocínio de instituições do Estado.

Nesse novo cenário, os nomes e símbolos dos times foram alterados para que se ficasse claro a influência governamental.

Com o controle estatal e o surgimento de cada vez mais clubes, em 1936 é criado o Campeonato Soviético de Futebol. Presente apenas na Rússia em seus primeiros anos, expandiu-se para as outras 14 repúblicas após grande sucesso. O futebol se tornou política de Estado por meio do Soft-Power (capacidade de influenciar outros países por vias culturais e ideológicas).

O campeonato durou até o fim da União Soviética em 1991. Apenas não foi disputada entre 1941 e 1944 devido à segunda guerra mundial. Dymano de Kiev, com 13 títulos, é o maior vencedor, seguido por Spartak Moscow, com 12, e Dynamo de Moscou, com 11.

Mapa da União Soviética com a localização de todos os times que disputaram o campeonato.
Mapa com todos os times que disputaram o Campeonato Soviético (Fonte: Trivela).

Principais equipes.

Como dito anteriormente, os times eram patrocinados pelas instituições do governo, como a polícia secreta NKVD (futura KGB), o exército e sindicatos. Portanto, eles eram a representação das instituições diante a opinião pública e as pessoas. Torcer para um time dizia muito sobre você na época, uma vez que significava escolher uma instituição específica.

Escudo do Spartak Moscow.
Escudo do Spartak Moscow.

Spartak Moscow, o time do povo: O Spartak era diferente de todos os outros times soviéticos, era o único que não representava um agente do Estado, ficando conhecido como “o time do povo”. Krasnaya Presnya foi seu primeiro nome, em homenagem ao bairro em que operários jogavam bola — numa época elitista do esporte.

A mudança de nome ocorreu em 1935, inspirada em Espártaco, gladiador que liderou a revolta de escravos na Roma Antiga. O simbolismo era escancarado. Sua torcida era rebelde e violenta. Marcava uma oposição, a indisciplina popular versus a disciplina do Estado. Sendo assim, era impossível evitar uma rivalidade entre o time do povo e o time do exército, o CSKA Moscow.

Escudo do CSKA Moscow.
Escudo do CSKA Moscow.

CSKA Moscow, o time do exército vermelho: sua sigla já entrega qual instituição foi responsável por adotar o time, Clube Central de Esporte do Exército. Não foi a única equipe sob influência do exército, mas com certeza foi a mais bem sucedida. Tem sua origem em 1911, em uma associação esportiva militar. A filiação com o exército foi oficializada em 1928, quando foi rebatizado como CDKA: Casa Central do Exército Vermelho.

Escudo do Dynamo de Moscou.
Escudo do Dynamo de Moscou

Dynamo, os times do serviço secreto: O Dynamo de Moscou foi o primeiro time a ser apropriado pelo Estado. Sua origem se deu em 1923, por iniciativa de operários ingleses da indústria têxtil, com o nome Orekhovo. O chefe da polícia secreta rebatizou a equipe como Dynamo. O dinheiro do time vinha diretamente dos cofres do ministério do interior.

O uso do esporte como estratégia de governo se provou ser um sucesso com o surgimento de outros Dynamos em cidades importantes da União Soviética, como Kiev, na Ucrânia, Minsk, em Belarus, e Tbilisi, na Geórgia.

Escudo do Lokomotiv Moscow.
Escudo do Lokomotiv Moscow.

Lokomotiv Moscow: Foi fundado em 1923 com o nome de Clube da Revolução de Outubro. Em 1936 adotou o nome atual, relembrando as origens do clube: no ano seguinte após a sua fundação, os trabalhadores do setor ferroviário, visivelmente mais forte fisicamente, foram incorporados ao elenco.

Escudo do Zenit.
Escudo do Zenit.

Zenit: O Zenit é outra equipe com origens operárias, sendo fundado por trabalhadores da companhia siderúrgica de São Petersburgo. O esporte chegou pelo porto da cidade. Nos seus primeiros anos, os integrantes da equipe eram chamados de “Stalinets”, em referência a Josef Stalin. Muitos deles combateram na Segunda Guerra Mundial, lutando durante o cerco alemão à cidade, que se chamava Leningrado na época.

Treinadores notáveis.

Foto de Valeriy Lobanovskyi em 1985.
Valeriy Lobanovskyi em 1985.

Valeriy Lobanovskyi: Teve certo sucesso enquanto jogador, mas foi como treinador que atingiu o patamar de lenda. À frente do Dynamo de Kiev foi responsável pela construção de times históricos, conquistou oito títulos soviéticos, além de duas Recopas europeias. Pela seleção da União Soviética alcançou o vice da Euro de 1988, um bronze nas Olimpíadas de 1976 e esteve no comando em duas Copas do Mundo, 1986 e 1990.

Foi um revolucionário do futebol, principalmente pela forma como aplicou métodos científicos na preparação física e seu conhecimento tático. A forma física e psicológica dos atletas eram de suma importância para a “máquina” que Lobanovskyi comandava funcionar bem.

Assim como na sociedade soviética, o individualismo era desaconselhado em seus times. Jogadores que prezavam pelo drible em detrimento do passe não tinham espaço na equipe. A preferência pelo coletivo fez do Dynamo de Kiev um dos times mais temidos da Europa.

Mikhail Yakushin: Foi treinador do Dynamo de Moscou em duas oportunidades. A primeira entre 1944 e 1950, a segunda entre 1953 e 1960. Também comandou a seleção soviética em duas ocasiões, em 1959 e a outra entre 1967 e 1968.

Pelo Dynamo de Moscou ganhou seis campeonatos soviéticos, ficou com o vice-campeonato seis vezes e um terceiro lugar.

Boris Arkdyev: Ganhou seis campeonatos soviéticos com o CSKA Moscow e um com o Dynamo de Moscou. Foi responsável por levar o WM, utilizado pelo Spartak Moscou no final da década de 1930, a outro patamar. Ele instruiu seus jogadores a se movimentar em campo para atrair a marcação adversária, com o intuito de abrir espaços a serem aproveitados. Uma espécie de antecedente do Futebol Total.

Ele também teve passagens pela seleção soviética, em 1952 e 1959 (Olímpica), e pelo Lokomotiv Moscow entre 1953 e 1957 e entre 1963 e 1965.

Foto de Viktor Maslov.
Viktor Maslov.

Viktor Maslov: Começou sua carreira de treinador em 1942, no time do setor automobilístico da capital Russa, o Torpedo Moscow. Em 1948 deixou o time, rodou por clubes de menor expressão (inclusive retornou para o Torpedo entre 1957 e 1961), até chegar ao Dynamo de Kiev no ano de 1964, onde se tornou uma lenda, tanto para o futebol soviético quanto para o futebol mundial.

Pelo time da capital ucraniana foram três de seus quatro títulos soviéticos conquistados (mais pelo Torpedo).

Influenciado pela atuação de Zagallo na Copa do Mundo de 1958, em que nos momentos defensivos deixava de ser um ponta e se tornava um campista (passando do 4–2–4 para o 4–3–3), Maslov criou o 4–4–2. Formação na qual os dois pontas se transformavam em meio campistas, ampliando a vantagem vista no time brasileiro de 58. Mesmo assim, a vantagem de ter um homem a mais na faixa central só se concretizou pois Maslov introduziu dois conceitos chaves: a pressão alta para recuperar a bola e a marcação por zona.

Concentrou-se em áreas até então pouco exploradas do esporte, como nutrição, preparação e recuperação físicas. Dessa forma sua equipe detinha uma superioridade física perante o adversário, conseguindo correr e pressionar por mais tempo. A pressão deveria ser feita por quem estivesse mais próximo da bola, evitando longas perseguições individuais e, consequentemente, o cansaço excessivo.

Nikita Simonyan: Começou sua carreira como treinador em 1960 no Spartak Moscow, onde teve duas passagens entre 1960 e 1965 e outra entre 1967 e 1972.

Em sua primeira passagem, conquistou o sétimo lugar no campeonato em 1960 e um terceiro lugar em 1961. Em 1962 sagrou-se campeão soviético, sendo esse seu primeiro título. No ano seguinte ficou com o vice-campeonato. Nas temporadas de 1964 e 1965 ficou com um modesto oitavo lugar. Deixou o clube em 1965.

Em sua segunda passagem pelo time de Moscou, ficou com um vice-campeonato em 1968 e o título soviético em 1969.

Após deixar o Spartak novamente, treinou a seleção da União Soviética entre 1977 e 1979. Também treinou o Ararat Yerevan em duas oportunidades, uma entre 1973 e 1974 e 1984 e 1985. No clube conquistou o título soviético em 1973.

Konstantin Beskov: Treinou o Torpedo Moscow, CSKA Moscow, Lokomotiv Moscow e Dynamo de Moscou, mas seus trabalhos mais notáveis foram no Spartak Moscou, onde esteve entre 1977 e 1988, e a seleção Soviética, onde trabalhou entre 1963 e 1964, 1974 e entre 1979 e 1982.

Em seus onze anos no Spartak Moscow conquistou dois campeonatos soviético, em 1979 e 1987. Pela seleção, chegou a final da Euro 1964, ficando com o vice-campeonato, e disputou a Copa do Mundo de 1982.

Seleção soviética.

Escudo da Seleção soviética, a famosa CCCP.
Escudo da seleção soviética.

A seleção soviética teve sua formação tardia. Após alguns poucos jogos nas décadas de 1920 e 1930, a equipe nacional só voltou a se reunir em 1952 para a disputa das Olimpíadas. Foram três jogos na competição, sendo eliminada pela Iugoslávia. Os amistosos passaram a ser mais constantes a partir de 1954, momento em que perceberam o potencial que haviam em mãos para a formação de um grande time. Nesse início venceram a Suécia (finalista da Copa de 58) duas vezes, uma por 7 a 0 e outra por 6 a 0, empataram com a excelente Hungria (finalista da copa 54) duas vezes por 1 a 1, e venceram a então campeã mundial Alemanha Ocidental em um jogo na Alemanha e outro na Rússia.

A Olimpíada de 1956 foi o primeiro grande teste de um time que começou a jogar com frequência apenas dois anos antes. Foi um torneio mais fraco que os anteriores, mas serviu como prova da seleção soviética contra os fortes times do leste europeu.

Na competição pegou logo de cara uma Alemanha unificada para a disputa dos jogos. Venceu por 2 a 1. Nas quartas de final enfrentou a surpresa da competição, a Indonésia. Após ficarem no 0 a 0 durante 120 minutos, foi preciso um jogo extra, que terminou 4 a 0 para os soviéticos. Nas semifinais se encontraram com a Bulgária, a qual venceram de virada por 2 a 1 na prorrogação.

Na final mediu forças contra a Iugoslávia, país que possuía uma seleção mais experiente e com bom retrospecto em competições internacionais, com dois ouros olímpicos. Os soviéticos venceram o jogo por 1 a 0, conquistando a medalha dourada.

A seleção soviética repetiria o feito de subir no lugar mais alto do pódio olímpico em 1988. Na fase de grupos, empatou em 0 a 0 com a Coreia do Sul, venceu a Argentina e os Estados Unidos, por 2 a 1 e 4 a 2, respectivamente. No caminho para a final eliminou a Austrália por 3 a 0 e a Itália por 2 a 1. Na grande final venceu o Brasil de Taffarel, Jorginho, Neto, Careca, Romário e Bebeto por 2 a 1. Foi bronze nas edições de 1972, 1976 e 1980.

Em Eurocopas sua melhor performance foi na primeira edição, em 1960, a qual foi campeã em cima da Iugoslávia. Foi vice-campeã em 1964, perdendo para a Espanha, em 1972, perdendo para a Alemanha Ocidental, e em 1988, quando perdeu para a Holanda (Países Baixos). Foi quarta colocada em 1968.

A União Soviética não era filiada à FIFA até 1947, portanto, não participou das Copas do Mundo de 1930, 1934 e 1938. Também não disputou as copas de 50 e 54.

Entre as edições de 1958 e 1990, só não participou em 1974 (quando se recusou a jogar a repescagem contra o Chile no Estádio Nacional, onde a ditadura de Augusto Pinochet torturava opositores) e em 1978, quando falhou ao tentar se classificar. Sua melhor participação foi um quarto lugar em 1966. Tirando a edição de 1990, sempre passava para as fases finais da competição.

Brasil e União Soviética se enfrentaram sete vezes. Cinco vitórias para o time verde e amarelo, uma vitória do time vermelho e um empate.

A herdeira oficial dos feitos e conquistas da seleção soviética foi a Rússia.

Seleção soviética durante disputa da euro 88.
Seleção soviética durante a disputa da Eurocopa de 1988.

Jogadores notáveis.

Lev Yashin com uma bola nas mãos.
Lev Yashin.

Lev Yashin: Yashin muitas vezes lidera as listas de maior goleiro da história. “O pantera negra”, como era conhecido na América do Sul (na Europa era chamado de “aranha negra”), jogou quatro Copas do Mundo (1958, 1962, 1966 e 1970) e defendeu um total de 150 pênaltis durante a carreira, um recorde que dificilmente será superado. Jogou os 20 anos de sua carreira pelo Dynamo de Moscou, onde fez 326 jogos e venceu cinco campeonatos soviéticos. Na seleção foram 74 jogos em 16 anos.

Entre suas conquistas individuais estão nove prêmios de melhor goleiro da Europa e uma Bola de Ouro em 1963. Em 2020, 30 anos após sua morte, entrou para o time dos sonhos da Bola de Ouro.

Oleg Blokhin a serviço da seleção.
Oleg Blokhin.

Oleg Blokhin: Foi provavelmente o jogador soviético mais famoso de todos. De origem ucraniana, jogou de 1969 a 1988 no Dynamo de Kiev, onde disputou 432 jogos e anotou 211 gols. Pelo time da capital ucraniana ganhou oito campeonatos nacionais e duas Copas de Campeões de Copas da UEFA. Pela seleção atuou entre 1972 e 1988, sendo o jogador que mais vezes vestiu a camisa da equipe, com 112 aparições, e também o maior artilheiro da história do escrete soviético, com 42 tentos.

Venceu a Bola de Ouro em 1975, foi eleito o jogador ucraniano do ano nove vezes e melhor jogador soviético do ano em 1973, 1974 e 1975. Foi artilheiro do campeonato soviético cinco vezes.

Rinat Dasayev como capitão durante disputa euro 88.
Rinat Dasayev.

Rinat Dasayev: Outro lendário goleiro da União Soviética. Jogou pela seleção de 1979 até a dissolução do país, em 1991. Fez parte da equipe que conquistou o bronze olímpico de 1980 e foi vice-campeã europeia em 1988. Disputou as Copas do Mundo de 1982, 1986 e 1990 e, com 91 jogos, é o segundo jogador que mais atuou pela seleção.

Jogou a maior parte de sua carreira no Spartak Moscow, entre 1977 e 1988. Pelo time da capital conquistou dois títulos nacionais e cinco vice-campeonatos.

Em 1982 foi eleito o jogador soviético do ano.

Albert Shesternyov como capitão a serviço da seleção soviética.
Albert Shesternyov.

Albert Shesternyov: Muitas vezes considerado o melhor zagueiro da história da União Soviética. Foram 90 jogos pela seleção entre 1961 e 1971, sendo capitão em muitas dessas partidas. Disputou as Copas do Mundo de 1962, 1966 e 1970, além das Eurocopas de 1964 e 1968.

Em toda a sua carreira atuou apenas pelo CSKA Moscow, onde disputou 278 jogos e conquistou o título nacional de 1970.

Fez parte do time ideal da Euro 1968 e foi eleito o jogador soviético do ano de 1970.

Anatoliy Demyaneko como capitão a serviço da seleção soviética.
Anatoliy Demyanenko.

Anatoliy Demyanenko: Atuou tanto de lateral esquerdo quanto de ponta esquerda. Jogou 80 jogos pela seleção, anotando seis gols. Defendeu o país nas Copas de 1982, 1986 e 1990, e a Euro de 1988.

Atuou entre 1979 e 1991 no Dynamo de Kiev, disputando 333 jogos e marcando 28 gols. Foi campeão cinco vezes do campeonato soviético e uma Copa de Campeões de Copas da UEFA de 1985.

Foi o jogador ucraniano do ano em 1982 e 1985, em 1985 foi eleito o jogador soviético do ano.

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Camisa 14

Tentando enxergar o futebol para além do campo. Estudante de geografia.