O contexto.
A Tchecoslováquia surgiu como estado soberano em Outubro de 1918, ao se tornar independente do Império Austro-Húngaro, após a derrota na Primeira Guerra Mundial.
A Boêmia, região histórica, foi o epicentro do futebol do que no futuro seria a Tchecoslováquia. Assim como Viena e Budapeste, Praga tinha papel de destaque na Europa Central. Desde os séculos anteriores ao surgimento do esporte, a cidade tcheca possuía alta relevância comercial, que mais tarde seria responsável pelo impulsionamento de sua indústria.
Mais do que o epicentro comercial, Praga também era um centro cultural importante, destacando-se a música, a literatura e a arquitetura. É nesse contexto histórico que o esporte se inseriu, a partir da década de 1880.
O começo.
Assim como em diversas partes da Europa e do mundo, o futebol chegou a Praga através de migrantes e trabalhadores ingleses. Num primeiro momento, houve certa resistência por parte das organizações de incentivo à prática de exercícios na população, se recusando a incluir o jogo bretão em sua cartilha dominada pelo atletismo e a ginástica. Mesmo com essa dificuldade, a bola não deixou de se difundir. Uma comunidade de origem alemã foi fundamental nesse processo de fixação, que por meio de um lento desenvolvimento rompeu a bolha e começou a conquistar seu espaço. Estudantes foram os principais entusiastas do esporte, organizando a realização das primeiras partidas.
A década de 1890 foi o período de afirmação do futebol em Praga e outras cidades da região, como a Morávia, outra cidade histórica de onde hoje é a Tchéquia. É também nessa época, que os primeiros times começaram a aparecer. O AC Praga é considerado o primeiro, mas os maiores do país não demoraram muito a surgir. Em 1896, o Slavia Praga e o Sparta Praga disputaram o primeiro campeonato, um quadrangular vencido pelo Kicker Praga. O Slavia tem suas origens de um grupo literário e era próximo a burguesia local, o Sparta rapidamente se tornou um representante das camadas populares da cidade. A disputa de classes mais uma vez construiu rivalidades no esporte.
A virada do século XIX para o século XX foi um momento fundamental para o futebol boêmio. As excursões de times britânicos à região se tornaram cada vez mais frequentes. Eles passavam por Viena e Budapeste, mas a capital tcheca também era um dos destinos. O Southampton passou duas vezes pela cidade, em 1901 e em 1903. Em 1904, Celtic e Rangers visitaram a Boêmia. Até o final da década, Arsenal, Chelsea, Tottenham, Everton, Manchester United, Newcastle e Sunderland foram emblemas que visitaram os estádios praguenses.
Nesse mesmo período de virada de século, os confrontos entre as equipes da Boêmia com austríacos e húngaros também se tornaram mais frequentes. Em 1897, foi criada a Challenge Cup, disputada entre os melhores times das ligas locais. O protagonismo era inteiro dos vienenses. Os boêmios chegaram no máximo ao vice-campeonato, com o Slavia e o CAFC Královské Vinohrady.
Os praguenses tiveram destaque no recém-criado Campeonato Alemão. O Deutscher Fußball-Club surgiu em 1896, fundado por alemães que viviam em Praga. Os tchecos colaboraram para a criação da Federação Alemã e disputaram a primeira edição da liga. No entanto, a partir do ano seguinte, a FIFA barraria a presença da oficial da DFC além das fronteiras, se limitando ao território do Império Austro-Húngaro.
Em 1905, o Slavia contratou John William Madden, ex-jogador do Celtic e da Seleção Escocesa, para treinar o time. O técnico foi responsável por desenvolver os conceitos táticos da equipe, introduzindo o estilo de jogo praticado na Escócia, mais técnico e de trocas de passes. Também ofereceu melhorias na preparação física dos atletas. Fez sucesso, permanecendo por 25 anos no clube e comandando a Tchecoslováquia nas Olimpíadas de 1920.
A Primeira Guerra Mundial, que teve o estopim no próprio Império Austro-Húngaro, interrompeu o processo de ascensão do esporte na Boêmia. Após o término da guerra, a derrota causou a dissolução da monarquia e a fundação da Tchecoslováquia. A partir daí, inicia-se um novo momento para o futebol do país, em que o Sparta se tornaria o time do momento. O clube criou uma categoria de base, inspirada no modelo inglês, o que deu uma nova roupagem à equipe. Não por acaso, a base do time finalista olímpico em 1920 era composta por jogadores formados no clube. O período do “Sparta de Ferro”.
Assim como o rival Slavia, o Sparta também evoluiu seu futebol a partir de ideias britânicas. John Dick defendeu o Arsenal por 16 anos, foi capitão e chegou a participar de excursões em Praga. Retornou à cidade após a aposentadoria, para comandar o Deutscher. Em 1919, assumiu o Sparta. Pelo time grená, o escocês deu prioridade ao preparo físico dos atletas.
O Sparta conquistou seu primeiro título em 1919. Os grenás levantaram quatro troféus do Campeonato Central da Tchecoslováquia seguidos. Foram quatro temporadas invictas, com uma sequência de 58 vitórias, um recorde na Europa.
Um dos marcos mais importantes do time foi em 1925, quando bateu o Nacional, base da Seleção Celeste campeã Olímpica do ano anterior, por 1 a 0. No mesmo ano o futebol foi profissionalizado, ao mesmo tempo que ocorreu a criação do Campeonato Tchecoslovaco.
Em 1927, Áustria, Hungria, Iugoslávia e Tchecoslováquia passaram a organizar o primeiro grande torneio de clubes da Europa, a Copa Mitropa. Os dois grandes de Praga disputaram a competição, que apenas o Sparta venceu após derrotar o Rapid Viena na final. O Slavia ficaria com o vice-campeonato em 1929, no ano seguinte o vice ficaria com os grenás na Boêmia.
Ao mesmo tempo, a Seleção Tchecoslovaca se fortalecia, com a eclosão acontecendo nos Jogos Olímpicos de 1920. A partir daí, os amistosos contra outras equipes europeias se tornaram cada vez mais frequentes. O primeiro grande momento foi na Copa Internacional da Europa Central, que mais tarde seria chamada de Dr. Gerö Cup. Na edição fundante, disputada entre 1927 e 1930, os tchecoslovacos terminaram com o vice-campeonato, apenas um ponto atrás da Itália e à frente de Áustria, Hungria e Iugoslávia.
Melhores momentos.
Sua primeira participação em copas do mundo, em 1934, não podia ser melhor. O elenco tinha sua coluna vertebral formada por jogadores do Sparta e do Slavia. Ao longo da competição, eles eliminaram Romênia, Suíça e Alemanha, até chegar a final contra a anfitriã Itália. Em uma partida de clima tenso, com Benito Mussolini na arquibancada, os tchecos abriram o placar, mas levaram a virada na prorrogação.
Para a Copa do Mundo seguinte, na França, a espinha dorsal do time continuava sendo do Slavia e do Sparta — campeões, respectivamente, da Copa Mitropa de 1935 e 1938. No entanto, a seleção foi eliminada na etapa de quartas de final, na famosa “Batalha de Bordeaux”. Após um empate por 1 a 1 no primeiro jogo, o Brasil avançaria para a fase seguinte ao vencer a partida de desempate, com Leônidas da Silva comandando a vitória por 2 a 1.
A partir de 1938, iniciou-se um hiato no futebol da Tchecoslováquia, após a invasão e a anexação pelo Terceiro Reich. A seleção entraria em hibernação em dezembro de 1938, após amistoso contra a Romênia, retornando apenas em 1946. O campeonato nacional também foi interrompido, se limitando apenas à Boêmia e à Morávia. Durante a dominação da Alemanha Nazista, os tchecos tiveram representantes no Campeonato Alemão.
Após o término da Segunda Guerra Mundial, a Tchecoslováquia acabou sob influência da União Soviética. O início do regime comunista em 1948 teve impacto evidente na organização do futebol local. Assim como os demais países da cortina de ferro, a maioria dos clubes passaram a ter vínculo direto com entidades do Estado.
Como consequência dessa estatização do futebol tcheco, a nacionalização da liga se ampliou. Regiões, até então com pouca participação, passaram a ser contempladas na elite do esporte, principalmente a Eslováquia. Na capital, as coisas mudaram. Por mais que Sparta e Slavia mantivessem-se como os donos das maiores torcidas, tiveram sua identidade alterada, perdendo sua essência. Para assumir o protagonismo, surgiu o clube do exército, que tinha o direito de contratar os melhores jogadores do país. O Dukla Praga, passa a ser hegemônico na Tchecoslováquia.
O Dukla Praga serviu de base para a Seleção Tchecoslovaca que voltou a frequentar a elite do futebol internacional, disputando as copas do mundo de 1954 e 1958. O auge das participações nos mundiais, foi a goleada por 6 a 1 sobre a Argentina na edição da Suécia.
A partir de 1960, os resultados esportivos começaram a aparecer. Nesse mesmo ano, os tchecoslovacos venceram a Dr. Gerö Cup e chegaram à semifinal da primeira edição da Eurocopa. Dois anos mais tarde, o ápice ocorreu na Copa do Mundo do Chile, derrotando as fortes Iugoslávia e Hungria no caminho até a final contra o Brasil. O time sul-americano sagrou-se campeão após aplicar um 3 a 1. O bola de ouro Josef Masopust, era o maior expoente dessa geração de ouro do país, formado pelo Dukla Praga.
O Dukla Praga chegou três vezes às quartas de final da Copa do Campeões, tendo sua melhor participação na temporada 1966/67, sendo eliminado apenas nas semifinais para o campeão Celtic.
A virada da década, de 1960 para 1970, colocou em evidência o futebol eslovaco, durante o momento político turbulento vivido em Praga. Os novos poderosos do futebol eram o Slovan Bratislava e o Spartak Trnava, que contavam com o apoio do governo local e das indústrias regionais. Conquistaram todos os títulos nacionais entre 1968 e 1975. O apogeu foi em 1969, quando o Spartak foi eliminado pelo Ajax de Johan Cruyff na semifinal da Copa dos Campeões, enquanto o Slovan derrotou o Barcelona na final da Recopa.
Nesse mesmo período, a seleção passou por um momento delicado. Foi eliminado por Portugal nas eliminatórias para o mundial de 1966, fez uma campanha bem discreta em 1970, antes de não se classificar para 1974 e 1978. A única exceção foi justamente sua maior glória. A equipe que disputou a Euro 1976 era formada majoritariamente por jogadores eslovacos. O protagonista da campanha, atuava pelo Bohemians Praga: Antonín Panenka, ele ficou marcado por cobrar o último pênalti da final com uma cavadinha (cobrança conhecida como Panenka da Europa).
Apesar de não se classificar para a Copa do Mundo de 1978, após perder para a forte Escócia, a Tchecoslováquia manteve a relevância durante a década de 1980. Conquistou o ouro olímpico em Moscou, chegou à semifinal da Euro 1980 e se classificou para a Copa de 1982, após doze anos de ausência. No cenário nacional, as coisas também começaram a melhorar. Os tchecos voltaram a figurar na elite, dessa vez puxado pelo Banik Ostrava (com a companhia de minérios por trás) e pelo ressurgimento do Dukla Praga. No entanto, o maior de todos foi o Sparta Praga, que a partir de 1984 voltou a dominar a liga.
Após passar por uma transição de geração a partir de meados dos anos 1980, a Tchecoslováquia ficou de fora da Copa de 1986 e das Euros 1984 e 1988.
Com um time que extrapolou todas as expectativas, os tchecoslovacos chegaram à semifinal da Copa do Mundo de 1990, na Itália. Com um elenco baseado no Sparta Praga, e já com oito atletas que atuavam no exterior. Desde 1989, a economia do país se transformava, quando a Revolução de Veludo marcou o fim do governo socialista na Tchecoslováquia. Enquanto o selecionado nacional disputava o mundial da Itália, em junho de 1990, aconteceram as primeiras eleições democráticas em cinco décadas.
O fim.
No mesmo 1990, a Federação Tchecoslovaca se tornou independente do governo e estabeleceu que todos os clubes se transformassem em empresas. O fim do apadrinhamento estatal causou o fim de alguns times. Os donos das maiores torcidas, Sparta Praga, Slavia Praga e Slovan Bratislava foram os que melhor se adaptaram à mudança, por outro lado, o Dukla Praga foi um dos que mais sofreu com a nova realidade.
Com uma autonomia cada vez maior entre os tchecos e eslovacos, a separação do estado foi aprovada em 25 de novembro de 1992. A partir do dia 1º de janeiro de 1993, a Tchecoslováquia foi extinta, dando lugar a República Tcheca (Tchéquia, como preferem atualmente) e Eslováquia. A liga tchecoslovaca seguiu até o final da temporada 1992/93.
No entanto, a Seleção Tchecoslovaca se manteve até novembro de 1993. Após o 1º de janeiro de 93, foi adotado o nome “Representação dos Tchecos e Eslovacos”, com o qual disputaram os últimos sete jogos das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. Chegaram à última rodada final contra a Bélgica, em Bruxelas, com chance de classificação, mas um empate marcou o adeus.
Com o fim desse símbolo nacional, a Tchecoslováquia finalmente chegou ao seu derradeiro final.