Chile vs. União Soviética, a partida que nunca aconteceu.

Camisa 14
3 min readMar 28, 2021

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“um povo sem memória é um povo sem futuro”. Frase estampada hoje dia no Estádio Nacional, Santiago.
Recado hoje em dia estampado no Estádio Nacional, em Santiago.

Em 21 de novembro de 1973, ocorreu o único caso de boicote a uma partida nos 91 anos de história da Copa do Mundo. Na oportunidade, a seleção da União Soviética recusou-se a entrar em campo contra o Chile, no Estádio Nacional do Chile.

A repescagem.

Como nona colocada nas eliminatórias europeias para a Copa do Mundo de 1974, a União Soviética disputaria uma vaga de repescagem contra o terceiro colocado da eliminatória sul-americana, o Chile. Essa seria a primeira vez que uma seleção da Europa e uma da América do Sul disputam um playoff para o mundial.

A primeira partida ocorreu em Moscou, no dia 26 de setembro, e terminou em um empate sem gols. Resultado surpreendente, pois a maioria imaginava uma goleada da dona da casa, que era atual vice-campeã europeia e contava com o ucraniano Oleg Blokhin no ataque, maior goleador do futebol soviético e que seria eleito o melhor jogador europeu em 1975.

Partida de ida disputada em Moscou.
Primeira partida disputada em Moscou (Fonte: Memórias Reveladas).

O golpe militar no Chile.

Em um mundo marcado pelo antagonismo entre União Soviética e Estados Unidos criado pela Guerra Fria, o Chile tinha como presidente Salvador Allende, um socialista e marxista autodeclarado. Isso era algo inaceitável nesse contexto, como um socialista é presidente de um país da América do Sul, o “quintal” dos Estados Unidos?

Em 11 de setembro de 1973 foi dado o golpe militar, derrubando Allende, estabelecendo-se uma ditadura militar presidida pelo General Augusto Pinochet.

Nesse contexto de ditadura militar, a violência e perseguição política foram instauradas pelo governo. Delegacias, prisões e quartéis tornaram-se insuficientes para a quantidade de presos políticos. Foi nesse cenário de repressão que as dependências do Estádio Nacional do Chile, em Santiago, passou a ser utilizado como centro de detenção, tortura e execução de milhares de opositores do regime pelas forças de repressão chilenas. O maior centro esportivo nacional (capacidade para 80 mil espectadores) se tornou o maior campo de concentração da história do país.

Estádio Nacional de Santiago durante a ditadura militar. Há soldados armados e pessoas.
(Fonte: Memórias Reveladas).

A partida de volta em Santiago.

A União Soviética havia rompido relações diplomáticas com o Chile após o golpe militar e se manifestou contrária a disputar o jogo em Santiago, denunciando a transformação do estádio em um centro de detenção e exigiu que a partida ocorresse em campo neutro.

Diante desse impasse, a FIFA enviou uma comitiva para inspecionar o estádio. No dia 23 de outubro o vice-presidente da instituição, o brasileiro Abilio D’almeida e o secretário-geral , Helmuth Kaeser, aterrissaram no país andino.

Após 48 horas de inspeção, em uma conferência de imprensa com o Ministro da Defesa, declararam “Tranquilidade total” para a realização da partida. Durante essa visita da comitiva da FIFA, ainda estavam presentes 7 mil detidos nas dependências do estádio.

Os presos foram realocados do estádio para que 25 torcedores chilenos assistissem o confronto contra a União Soviética na tarde de 21 de Novembro de 1973. No entanto, a delegação soviética não compareceu. No dia 2 de novembro a Federação soviética teria enviado um comunicado, informando que “Por considerações morais, os esportistas soviéticos não podem jogar nesse momento no estádio de Santiago, salpicado de sangue de patriotas chilenos”. A decisão final teria partido do então Secretário-Geral do Partido Comunista soviético, Leonid Brejnev.

A seleção chilena compareceu na hora e data marcadas para a disputa da partida. Após o apito inicial houve uma tranquila troca de passes entre quatro jogadores, como se estivessem passeando em direção ao gol vazio. O Chile garantiu sua vaga para a Copa de 1974, na Alemanha Ocidental, com um gol solitário do capitão Francisco “Camacho” Valdés.

Francisco “Camacho” Valdés marcando o único jogo da “partida”.
Francisco “Camacho” Valdés marcando o único gol da partida (Fonte: Memórias Reveladas).

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Tentando enxergar o futebol para além do campo. Estudante de geografia.